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Mistério na selva: a história trágica da realeza que conquistou a Índia

Hoje os roteiros de viagem vão dar lugar a uma grande história, por isso aterrissamos na Índia, na cidade de Nova Déli em 1975.

CURIOSIDADES

12/9/20196 min read

Quem passou pela estação de trem de Nova Déli viu uma mãe com dois filhos. A mulher era Wilayat, herdeira do governante do reino de Oude, que ficava ali mesmo naquela região do país. A família foi expulsa no século XIX quando a Inglaterra colonizou a Índia. Desde então eles viviam no Paquistão. Aquele dia na estação, era o primeiro passo para que ela se tornasse rainha do que um dia já foi o reino da sua família.

A rainha decorou a sala da estação de trem. Essa foto foi tirada em 1983 pela equipe da United Press International.

Wilayat exigia o que era seu por direito, mas tinha um problema: nada daquilo existia mais. Só que isso não pareceu um problema. Então dia após dia, os três, acompanhados por um mordomo, ficaram ali, na sala de espera, por quase 10 anos.

Cansada de esperar uma ação do governo, a rainha sem reino decidiu conquistar aliados, por isso foi atrás de correspondentes internacionais que levassem essa saga para o mundo todo. E foi o que aconteceu. Durante meses televisões de todo o mundo noticiaram a história curiosa da rainha que decidiu voltar para casa.

A família recebia visitantes, mas a rainha (de costas) não conversava com ninguém. Foto: Hindustan Times.

Pressionado, o governo resolveu o problema dando para a família um palácio perto da cidade de Nova Déli. A construção foi feita no século XIV e estava tomada por árvores. O perfeito cenário de abandono. Não havia energia elétrica ou água encanada, mas a família fez dali seu império.

A VIDA NO PALÁCIO

Por 10 anos, a rainha e seus filhos, o príncipe Cyrus e a princesa Sakina, ficaram no palácio e quase nunca foram vistos pelos indianos. O lugar se tornou alvo de muita curiosidade e não demorou muito para que os Oude virassem uma lenda urbana.

O palácio foi construído no século XIV e não tinha energia elétrica ou água encanada. Foto: NYT.

As versões sobre o surgimento da família eram muitas. Alguns diziam que eles sempre moraram no palácio, outros lembravam da década na estação de trem. Muitos jornalistas bateram na porta, ignorando os cães raivosos, as cercas de arame e os avisos de “INTRUSOS LEVARÃO TIROS”. A resposta nunca veio.

Até que um repórter encontrou com o príncipe no portão na década de 1990 e conseguiu construir algo parecido com uma amizade. Aqui, isso aconteceu em uma frase, mas esse processo levou 4 longos anos. Só depois disso ele foi convidado para entrar e aí surgiram as primeiras fotos da família em mais de 10 anos.

As fotos não são datadas, mas acredita-se que tenham sido feitas nos primeiros anos da década de 1990.

Algum tempo depois, a rainha cometeu suicídio. A família disse que foi em protesto porque ela não tinha conseguido o reino de volta. Essa história aumentou a curiosidade pela família e criava cada vez mais empatia dos indianos, porque acabou representando o sofrimento do país nas mãos dos colonizadores.

Só 20 anos depois, em 2016, tudo começa a mudar.

O COMEÇO DO FIM DO MISTÉRIO

A repórter Ellen Barry, que na época era correspondente pelo New York Times, recebeu uma ligação para conhecer o palácio. No dia e hora marcados ela estava na estrada, sozinha, aguardando. De repente um barulho na mata. Ela esperava um funcionário, mas de lá saiu o príncipe Cyrus. Ela o seguiu selva adentro, abrindo caminho pelos galhos, até que chegou ao palácio.

Príncipe Cyrus no palácio, em 2016. Foto: NYT.

Esses encontros duraram muitos meses, ele sempre sozinho, dizendo que a princesa estava doente e em tratamento em outra cidade. Quase um ano depois, ele revelou que a irmã estava morta e chamava a repórter para ter uma companhia.

Entre conversas e pesquisas, Ellen descobriu que havia um terceiro irmão, um terceiro príncipe herdeiro do reino de Oude. Shahid vivia no norte da Inglaterra com a esposa. Ele tinha mais de 80 anos e falava com dificuldade.

Shahid e a esposa Camellia, na casa onde viviam na cidade de Bradford, na Inglaterra. Foto: NYT.

Por que a família nunca tinha falado dele? Ele tinha fugido? Como foi a vida no Paquistão? Por que ele desistiu de tudo?

O retorno era sempre o mesmo: “estou velho, não me lembro de mais nada”.

Foram várias viagens até lá, mas as respostas nunca vinham.

Nesse meio tempo, Cyrus morreu e acabou sendo enterrado em um cemitério de indigentes porque não tinha nenhum familiar que cuidasse do processo. Ellen foi ao cemitério para tentar identificar onde o corpo foi enterrado. Ela achava que uma história tão grandiosa não podia ter esse final mal escrito. Mas eles colocaram vários corpos juntos, e, até hoje, foi impossível encontrá-lo.

Ellen voltou para encontrar Shahid, mas ele morreu sem contar sua versão. A sorte da jornalista foi conseguir encontrar outros parentes, primos que viviam nos Estados Unidos e ainda no Paquistão. Todos contaram a mesma história que deixa qualquer roteirista empolgado.

A REVIRAVOLTA

Eles disseram que a família teve que fugir da Índia em 1947, quando a retirada dos britânicos começou uma guerra entre as religiões hindu e muçulmana pelo controle do Estado. O resultado desse conflito violento foi a criação do Paquistão (e uma tensão que dura até hoje na fronteira, a região da Caxemira). Ao todo, 15 milhões de pessoas tiveram o mesmo destino e mais de 1 milhão foram mortos.

Muçulmanos refugiados fugindo da Índia em 1947. Foto: Associated Press.

A mãe nunca aceitou que teve que deixar tudo para trás e ficou anos cobrando as autoridades. Até que um dia, estapeou um ministro e foi presa. Ela foi condenada a passar 6 meses em um sanatório, onde ficou acorrentada e levou choques.

Quando saiu, pegou os três filhos, cruzou a fronteira ilegalmente e chegou na estação de trem, onde ficou por quase uma década.

É isso mesmo, ela nunca foi herdeira do reino que não existia. Ela desenvolveu um distúrbio psicológico e embarcou no delírio.

E o filho mais velho? Durante a viagem, a mãe deu dinheiro para que Shahid comprasse bananas e, para não continuar nessa história de rainhas e príncipes, ele fugiu. Nunca mais viu a mãe ou os irmãos, só ficou sabendo pela TV.

Cyrus, um funcionário da família e Sakina. A foto foi tirada em 1998 pela equipe do New York Times no telhado do palácio.

Essa história foi contada na série “The Jungle Prince”. São 3 episódios que somam 1h30 e podem ser encontrados no podcast do New York Times, o The Daily. Lá, Ellen entrevista o jornalista que entrou no palácio, coloca trechos das conversas com Cyrus e narra com detalhes a fascinação dos vizinhos pela lenda do príncipe que vivia na selva, no palácio abandonado e semidestruído.

A versão que ela tem dessa história pode desaparecer, mas, como ela mesma disse, a saga da família real que apareceu na estação de trem vai continuar encantando a região por gerações.